Último livro escrito por Clarice Lispector, “A Hora da Estrela” é também uma despedida. Lançado pouco antes de sua morte, em 1977, a obra narra os momentos de criação do escritor Rodrigo S. M., que conta a história de Macabéa, uma alagoana órfã, virgem e solitária, criada por uma tia tirânica, que a leva para o Rio de Janeiro, onde trabalha como datilógrafa. Nesta obra, a autora escreve ciente de que a morte está próxima e coloca um pouco de si nas personagens Rodrigo e Macabéa. Ele, um escritor à espera da morte; ela, uma solitária que gosta de ouvir a Rádio Relógio e que passou a infância no Nordeste, assim como Clarice. Na 'Dedicatória do Autor', um pequeno texto que introduz a história propriamente dita, a autora dedica a obra e a si própria à música de Schumann, Beethoven, Bach, Chopin, Stravinsky, Richard Strauss, Debussy, Marlos Nobre, Prokofiev, Carl Orff, Schönberg e outros 'que atingiram em mim zonas assustadoramente inesperadas'.
A Hora da Estrela é uma obra instigante e inovadora. Como diz o personagem Rodrigo, 'estou escrevendo na hora mesma em que sou lido'. É Clarice contando uma história e, ao mesmo tempo, revelando ao leitor seu processo de criação e sua angústia diante da vida e da morte.
Macabéa, a nordestina, cumpre seu destino sem reclamar. Feia, magra, sem entender muito bem o que se passa ao seu redor, é maltratada pelo namorado Olímpico de Jesus e pela colega Glória. Os dois são o seu oposto: o metalúrgico Olímpico sonha alto e quer ser deputado, e Glória, carioca da gema e gorda, tem família e hora certa para comer. Os dois acabam juntos, enquanto Macabéa, sozinha, continua a viver sem saber por que está vivendo, sem pensar no futuro nem sonhar com uma vida melhor. Até que um dia, seguindo uma recomendação de Glória, procura a cartomante Carlota, uma ex-prostituta do Mangue, que revela a Macabéa toda a inutilidade de sua vida. Mas também a enche de esperança, prevendo a paixão por um estrangeiro rico, com quem ela iria se casar. Ao sair da casa da cartomante, num beco no subúrbio carioca de Olaria, ainda atônita com o que ouvira, Macabéa tenta atravessar a rua, mas é atropelada por um Mercedes. Estirada no paralelepípedo, com curiosos à sua volta, pronuncia suas últimas palavras — 'quanto ao futuro' —, também um dos vários títulos de A Hora da Estrela. A morte de Macabéa é também a morte de Clarice. Incorporada ao escritor Rodrigo, a autora diz: 'Macabéa me matou. Ela estava enfim livre de si e de nós. Não vos assusteis, falecer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça'.